segunda-feira, 23 de março de 2009

O dia em que Van Gogh sorriu pra mim.


Primeiro dia na Holanda, mais precisamente em Amsterdam, e eu me lembro que estava chovendo, mas não muito, apenas uns respingos. No ônibus, os coordenadores estavam fazendo uma introdução para a gente sobre a vida e as obras de Vincent Van Gogh porque nós estávamos nos encaminhando para a visita ao museu dele.
Eu me lembro como se fosse hoje, a gente correndo para fugir dos respingos da chuva e entrando na fila enorme que esperava para adentrar no museu. Nós corremos por umas pedras... paralelepípedos, na calçada, e pisávamos algumas poças. Esperamos um pouco ainda na fila e quando entramos fomos separados em dois grupos: um guiado pelo Max e outro pelo Ivan. A divisão foi feita perto da escada de ferro preta que levava os visitantes ao primeiro andar do museu. O grupo do Max começou o “tour” pelo museu primeiro e o grupo do Ivan, do qual eu fiz parte, esperou alguns minutos para iniciar.
Quando começamos a andar pelo museu tentávamos captar tudo que víamos pela frente, nossos olhares não conseguiam parar em um quadro só, tentávamos apreciar todos ao mesmo tempo. Mas, à medida que a explicação começava, prestávamos atenção e descobríamos cada fase de Van Gogh, as inspirações de seu quadro, as suas pinceladas e cores que retratavam, cada uma, um diferente momento na vida do pintor. Era, no mínimo, emocionante ver todos aqueles quadros dos livros de Artes, originalmente, à nossa frente. Talvez na hora nós nem pudéssemos imaginar o quão especial aquele momento era.
Terminado o “tour”, Max e Ivan nos propuseram algo que já tinham feito antes em outras EURO: procurar o quadro que mais lhe interessou e ficar diante dele por alguns minutos, tentando captar o sentimento que o pintor havia posto nele. Mas eles já haviam avisado antes: não era fácil, nem todo mundo tinha a sensibilidade necessária para Arte para fazer aquele exercício, nem depois de todas aquelas aulas de Arte que eles nos deram... Mas tínhamos que tentar.
Admito que estava nervosa; queria muito sentir aquilo, queria sentir o sentimento que outra pessoa sentiu através de um quadro. Comecei a andar pela galeria procurando os quadros de sua fase mais triste. Na minha cabeça, aqueles quadros sim transmitiam emoção, afinal a vida de Van Gogh não foi muito fácil. Parei em um em que havia feito para o pai dele, com muita mágoa; parei em outro onde havia uma família pobre sentada à mesa... Mas não conseguia sentir nada, estava me sentindo insensível. Foi quando percebi que estava na fase errada da vida de Van Gogh, que eu realmente nunca sentiria a tristeza dele se eu me sentia a pessoa mais feliz do mundo. Eu estava fazendo a viagem da minha vida, a felicidade transbordava minha alma, como eu conseguiria sentir tristeza desse jeito?
Direcionei-me à parte em que ficavam os quadros dele que eram iluminados pelo laranja, o amarelo e o azul. Passei meus olhos rapidamente pelas obras à minha volta, vi Os Girassóis, mas parei em O Quarto. Surpreendi-me comigo mesma. Eu conhecia aquele quadro desde a minha primeira série, já havia pintado telas imitando-o; aquele quadro nunca havia representado muito pra mim. Era apenas um quarto normal, pequeno, com uma cama, uma cadeira, uma escrivaninha e uma bela vista na janela. Mas eu não conseguia tirar meus olhos dele e acho que foi nessa hora que eu senti a emoção do quadro. A explicação de Ivan na minha cabeça, em forma de filme: eu me sentia presente no momento da inspiração, da realização e da finalização do quadro.
Van Gogh havia pintado O Quarto para seu amigo que morava com ele e que sempre reclamava da sua desorganização. Por isso pintou um quarto igual ao seu, mas completamente arrumado com tudo em seu lugar. E eu conseguia ver Vincent entregando o quadro para o amigo e dizendo “Eis aqui o quarto arrumado que você tanto pediu” seguido de uma risada gostosa, como aquelas que nós damos apenas quando estamos entre os melhores amigos.
E então, por um momento, o rosto de Van Gogh apareceu sobre a obra, gargalhando do mesmo jeito que eu havia imaginado, olhando pra mim. Mas eu não vi aquele rosto que o próprio havia pintado em seu auto-retrato frio e rígido. Estava vendo um Van Gogh ainda de olhos azuis e barba e cabelos ruivos, vestindo um paletó e uma boina marrons com um sorriso que eu não havia visto em nenhum dos quadros daquela galeria. Van Gogh sorriu para mim, sem eu nem ao menos conhecer seu sorriso... Até então. Ou quem sabe eu nunca conheci nem vou conhecer; talvez tenha sido imaginação, ou o “espírito da EURO”, ou até um delírio em um momento de êxtase de tamanha a minha felicidade naquele momento e naqueles vinte e nove dias. Mas como a verdade concreta eu nunca vou saber, sigo com a minha verdade de que Van Gogh sorriu para mim no dia seis de junho de dois mil e oito e eu lhe sorri de volta.


Ana Luíza Farias Dos Martins Coelho

Um comentário:

  1. Estava procurando imagens do quadro, achei seu texto. Gostei muito, transmitiu uma emoção muito boa, parabéns.

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